Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV)
Você
provavelmente já deve ter ouvido alguém dizer que o filho, sobrinho, neto ou
amiguinho tem alergia a proteína do leite de vaca (APLV), mas antes de falar
sobre isso, é fundamental diferenciarmos APLV, de intolerância a lactose, pois
é muito comum que as pessoas confundam.
Intolerância a lactose é quando a pessoa não digere direito o
açúcar o leite, e acredite, não se fala em intolerância em crianças menores de
2 anos de idade, e quando raramente isso acontece, ela é transitória, ou seja,
geralmente aparece após uma diarreia infecciosa e desaparece após 2 ou 4
semanas.!
Já a alergia, é uma reação do sistema imunológico a algo que ele
considera estranho, no caso da APLV, a reação é contra as proteínas do leite de
vaca.
O reconhecimento e o diagnóstico ainda são difíceis, uma vez que
não há um teste único ou combinação de exames para definição, sendo o
diagnóstico na maioria das vezes realizado pelos sintomas clínicos. Além disso,
cada criança pode apresentar uma forma e intensidade diferente da APLV.
A APLV está aumentando?
Sim, houve um aumento na prevalência da APLV de 0,2 % para 2 a 6 %
nos últimos 10 anos, conforme a população estudada e existem algumas teorias
que tentam explicar o motivo do aumento das alergias alimentares nas crianças.
O principal fator de risco é a predisposição genética para
alergia, ou seja, se a mãe ou pai apresentam alguma alergia (rinite, dermatite,
asma ou qualquer outra), a criança já nasce com um risco de 50 a 75 % de também
ser alérgica e pode se manifestar como alergia alimentar na fase inicial da
vida.
O contato precoce com a proteína do leite de vaca é outro fator de
risco importante, principalmente nas primeiras horas de vida. Portanto, o
aleitamento materno exclusivo é um protetor para esta e outras alergias.
Vamos fazer uma pausa, talvez você tenha pensado “Meu filho foi
amamentado e teve APLV do mesmo jeito”, bem, o aleitamento materno é um protetor,
no entanto, vale lembrar que não descarta as chances de seu filho ter APLV,
pois há vários outros fatores de risco, tais como:
·
Prematuridade;
·
Introdução de alimentos sólidos antes dos 4 meses de idade;
·
Introdução do leite de vaca integral antes de 1 ano de idade;
·
Infecções intestinais;
·
Alterações da flora intestinal;
·
Uso repetitivo de antibióticos;
·
Uso abusivo de antiácidos.
E quais são os sinais e
sintomas das crianças que nos fazem pensar em APLV?
No bebê menor de 1 ano de idade, a principal manifestação é a
colite alérgica caracterizada por diarreia com sangue e muco. Mas em geral
os sintomas são variados e podem ser separados conforme o tipo de mecanismo
imunológico, ou seja, alergia mediada por IgE, alergia não mediada por IgE, ou
alergia mista.
Alergia NÃO mediada por IgE – principais sintomas:
·
Sangue e muco nas fezes;
·
Vômitos /regurgitações;
·
Refluxo gastroesofágico de difícil controle;
·
Baixo ganho de peso;
·
Distensão abdominal;
·
Cólicas abdominais intensas;
·
Irritabilidade extrema;
·
Assaduras recorrentes ou de difícil tratamento.
Alergia mediada dor IgE (reações imediatas) – principais sintomas:
·
Síndrome de alergia oral (fica vermelho ao redor da boca após
contato com o leite);
·
Anafilaxia gastrointestinal (vômitos e diarreia logo após ingerir
leite);
·
Urticária (manchas vermelhas na pele);
·
Angioedema (incha os olhos e a boca);
·
Rinite e conjuntivite alérgicas;
·
Choque anafilático.
Alergia mista (há envolvimento dos dois mecanismos)
·
Dermatite atópica (lesões vermelhas na pele com descamações);
·
Asma Brônquica;
·
Esofagite eosinofílica
E todo sangue nas fezes em bebês é sinal de APLV?
Não, existem outras causas. Por isso, bebês e crianças que
apresentam sangue e muco nas fezes, devem ser avaliadas por um pediatra e por
um gastropediatra.
As outras causas de sangramento intestinal são:
·
Fissura anal (que é um corte na pele do ânus);
·
Invaginação intestinal (quadro grave que necessita de cirurgia);
·
Reação à vacina do rotavírus.
Falando nisso, a vacina do rotavírus pode ser uma causadora de
APLV?
NÃO há nenhuma associação
entre o uso da vacina rotavírus e o desenvolvimento da APLV.
Os
eventos adversos mais comuns das vacinas rotavírus são: irritabilidade, febre,
vômitos e diarreia, o que pode ser também atribuído às vacinas que são
aplicadas simultaneamente no calendário vacinal da criança. A vacina pode,
raramente, causar sangue nas fezes.
Lactentes que apresentam quadro de APLV com doença diarreica
moderada ou grave ou vômitos, devem ter a aplicação da vacina adiada até a
recuperação geral.
A ampliação do conhecimento e uso de exames diagnósticos para APLV
têm contribuído para maior número de casos suspeitos e diagnosticados. Além
disso, a idade em que a vacina é realizada coincide com a idade de maior
diagnóstico da alergia, podendo aí haver forte coincidência temporal de fatores
envolvidos.
Portanto, as Sociedades Brasileiras de Alergia e Imunologia
(ASBAI), Imunizações (SBIm) e de Pediatria (SBP – Departamentos de Imunizações
e Alergia) reafirmam a eficácia e a segurança das vacinas rotavírus e recomendam
o uso rotineiro no calendário vacinal da criança, frente à grande importância e
impacto que a doença tem na saúde infantil.
E qual o tratamento da APLV?
O tratamento é NUTRICIONAL,
a proteína do leite de vaca deve ser excluída da
dieta da criança por um período que pode variar de 6 meses a 5 anos, mas alguns
poucos casos por mais tempo.
No caso da APLV, não adianta usar produtos sem lactose, pois o
problema não é a lactose e sim a proteína do leite.
Quando o bebê mama leite materno, a
dieta de exclusão é feita na mãe e o leite materno sempre deve ser mantido. A
dieta da mãe que amamenta o bebê APLV deve ser restrita da proteína do leite de
vaca (leite, derivados e alimentos contendo leite), da proteína de outros
animais (como cabra e búfala) e da proteína da soja (na maioria dos pacientes).
O
leite de vaca não deve ser substituído por leite de cabra nem leite de búfala,
pois apresentam a proteína semelhante e fazem reação cruzada em até 97 % dos
pacientes APLV.
A soja pode ser indicada com cautela em
alguns pacientes com APLV mediada por IgE após 6 meses de idade. Essa conduta é
pouco usada, apesar de ser indicada no consenso de alergia alimentar.
Bebidas
vegetais (os famosos leites de
arroz, aveia, castanha, amêndoas e agora o de inhame) NÃO são recomendadas como substitutas
das fórmulas especiais para crianças APLV. Elas são pobres em proteínas e não
suprem as necessidades nutricionais de cálcio, zinco e vários outros elementos
essenciais para essa fase de pleno crescimento da criança.
Atualmente são usados “leites
especiais” para a substituição do leite de vaca, que são as fórmulas
extensamente hidrolisadas ou à base de aminoácidos, sendo as únicas indicadas
para uma dieta adequada em crianças com APLV.
Algumas crianças APLV precisam de
controle dos traços de leite que são pequenas contaminações da proteína do
leite em alimentos e utensílios que já entraram em contato com leite. Cada
paciente deve ser avaliado individualmente, pois atualmente só tem indicação de
controle de traços de leite para os pacientes que reagem aos mesmos.
APLV
tem cura?
Curiosamente, a maioria das crianças
melhora da APLV. Um estudo relata que 45-50% melhoram até 1 ano,
60-75% até 2 anos e 85-90% até 3 anos de idade.
Sabe-se que a maioria dos pacientes com
APLV não mediados por IgE melhora até 1 ano de idade e praticamente 100 %
estará curado até 3 anos de vida.
O meu recadinho final é que …
Alergia alimentar é uma condição relativamente nova para todos,
médicos, familiares, pais e crianças e por isso, que as condutas mudam sempre e
se atualizam conforme vão aparecendo novos estudos.
Os pais e a família das crianças com APLV precisam de apoio e
informações claras, por isso, procurem um bom pediatra ou gastropediatra ou
alergista pediátrico para acompanhar. Seu filho precisa de uma consulta
bem feita e de um profissional competente, atencioso e disponível, que explique
sobre a alergia e esteja acessível para as dúvidas e intercorrências que
poderão surgir.
E não se esqueça, diferente da intolerância a lactose, a criança
que tem APLV não pode ter nenhum contato com a proteína do leite, pois um
mínimo pedaço de alimento ou gota de leite, é suficiente para desencadear
reações. Por isso, não ofereça nada a nenhuma criança, sem antes perguntar aos
pais se pode.
Gastropediatra
CRM SC 20908/ RQE 12409